Confira o que está em jogo no julgamento do marco temporal pelo STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira (7), o julgamento do marco temporal, crucial para os povos indígenas, pois poderia pôr em xeque a demarcação de centenas de terras ancestrais, consideradas uma barreira contra o desmatamento.
Durante o chamado "julgamento do século" para os povos originários, os ministros do STF terão que validar ou rejeitar a tese do "marco temporal", que só reconhece como terras indígenas aquelas ocupadas por eles quando a Constituição foi promulgada, em 1988.
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que valida este limite de tempo, o que representou um revés para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se comprometeu a proteger os povos indígenas. O texto ainda deve ir a votação no Senado.
No STF, só tinham votado sobre o marco temporal dois dos 11 ministros que integravam a corte - o relator Edson Fachin, contra, e o ministro Nunes Marques, a favor - quando o julgamento foi suspenso, em setembro de 2021.
À espera da decisão, centenas de indígenas de todo o país acampam em Brasília desde o começo desta semana para exigir que a tese do marco temporal seja considerada inconstitucional.
Especialistas afirmam que as terras indígenas desempenham um papel fundamental na luta contra o aquecimento global, como barreira ao desmatamento, que disparou durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).
- Do que o julgamento trata? -
A demarcação garante aos povos indígenas o direito a ocupar suas terras ancestrais e o uso exclusivo de seus recursos naturais, preservando seu modo de vida tradicional.
Concretamente, o STF debate o caso do território Ibirama-Laklano, em Santa Catarina (sul), que em 2009 perdeu seu status de terra indígena após uma decisão em primeira instância sob o argumento de que as comunidades não estavam vivendo ali em 1988.
Este julgamento, que pode levar semanas, é considerado chave porque o veredicto terá repercussão geral e poderia afetar muitas outras terras em disputa.
Em abril, Lula aprovou seis novas reservas indígenas, as primeiras em cinco anos, pois Bolsonaro cumpriu sua promessa de não demarcar "nem um centímetro a mais" de terra durante seu mandato.
- O que as partes alegam? -
A Constituição de 1988 garante aos indígenas "os direitos originários sobre as terras que ocupam tradicionalmente, as quais devem ser demarcadas e protegidas pelo Estado".
Estes povos consideram que a Constituição reconhece seus direitos, sem prever nenhum marco temporal e afirmam que em muitos períodos foram deslocados de seus territórios, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985), e por isso seria impossível determinar sua presença em 1988.
Representantes do agronegócio, motor do PIB nacional, afirmam, ao contrário, que o marco temporal traria "segurança jurídica" aos grandes produtores rurais.
Para eles, no país de 214 milhões de habitantes, os 900.000 indígenas já têm muitas terras - 13% da superfície do território nacional - e que, caso essa tese não seja aprovada, esse percentual chegaria a 28%, uma projeção questionada por especialistas.
- Que consequências a decisão terá para os indígenas? -
Se a tese do marco temporal for aprovada, os indígenas poderão ser expulsos de suas terras se não demonstrarem que estavam assentados ali quando a Constituição foi promulgada.
Segundo a ONG Instituto Socioambiental, quase um terço das mais de 700 terras indígenas já demarcadas no país - a maioria na Amazônia - poderiam ser afetadas.
Especialistas alertam que os povos indígenas, cuja cultura é baseada na tradição oral, teriam que provar fatos que datam de 35 anos atrás.
- O que pode acontecer com o projeto de lei? -
Segundo Helio Wicher Neto, advogado especialista em direito socioambiental, a aprovação do projeto de lei sobre o marco temporal na Câmara dos Deputados tem um alcance "mais político do que jurídico", pois caberá ao STF determinar se é ou não constitucional.
"Se o STF julgar a tese do marco temporal inconstitucional, qualquer projeto de lei que parta da tese como fundamentação para torná-la critério para demarcação, é inconstitucional em tese", disse à AFP.
Se chegar ao Senado após uma decisão desfavorável do Supremo, esse texto "não deve passar da Comissão de Constituição e Justiça", ressaltou.
M.Schulz--MP