Lula pede união na América do Sul mas Venezuela volta a provocar divisão
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pediu, nesta terça-feira (30), aos líderes de países sul-americanos reunidos em Brasília que superem as diferenças "ideológicas" e trabalhem em prol da integração regional, mas as discordâncias em torno da Venezuela voltaram a provocar divisão.
Desde que voltou ao poder em janeiro, Lula tem tentado recuperar o protagonismo do Brasil no cenário internacional e agora pretende relançar, nesta primeira cúpula sul-americana em quase uma década, a cooperação regional através de uma nova versão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
"Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem esforços de integração. Abandonamos canais de diálogo e mecanismos de cooperação, e com isso todos perdemos", disse Lula em seu discurso de abertura antes de um encontro a portas fechadas com os demais líderes no Palácio do Itamaraty. "Os elementos que nos unem estão acima de divergências de ordem ideológica", acrescentou.
Contudo, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, deixou claro que estas divisões continuam tendo peso na região. O líder de centro-direita criticou a defesa que Lula fez de Nicolás Maduro, quando o presidente brasileiro assegurou que as denúncias de autoritarismo na Venezuela eram resultado de uma "narrativa".
"Fiquei surpreso quando se falou que o que acontece na Venezuela é uma narrativa", disse Lacalle Pou durante seu discurso perante Lula e os demais dirigentes presentes, que transmitiu ao vivo em suas redes sociais. "Se há tantos grupos no mundo que tentam mediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que os direitos humanos sejam respeitados, para que não haja presos políticos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com a peneira."
Na mesma linha se posicionou o chefe de Estado chileno, Gabriel Boric, ao assinalar que a situação venezuelana "não é uma construção narrativa", mas "uma realidade, séria". "Os direitos humanos devem ser respeitados sempre e em todo lugar, independentemente da ideologia política do governante da vez", disse.
Mas Boric também concordou com o apelo reiterado de Caracas ao pedir a Estados Unidos e União Europeia que retirem as sanções que pesam sobre Maduro e seu governo.
Lula, que reatou as relações diplomáticas com o governo da Venezuela que haviam sido rompidas por seu antecessor Jair Bolsonaro, recebeu Maduro em Brasília com honras na segunda-feira.
"Companheiro Maduro, você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela: da antidemocracia, do autoritarismo", afirmou Lula, questionando as sanções internacionais que classificou de "inexplicáveis". "É o começo da volta do Maduro" ao plano regional, disse Lula, que definiu o momento como "histórico".
O recebimento de Maduro por parte de Lula também irritou a oposição bolsonarista. O senador e filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro, tachou de "vergonha mundial" o recebimento do "narcoditador" Maduro e disse que "Lula mostra que não se importa com a ditadura que espalha medo, fome e morte", em mensagem no Twitter.
- Falta de projetos comuns -
Onze presidentes participam do encontro definido por Lula como um "retiro" para dialogar de forma relaxada e franca.
Além dos presidentes já citados, estão presentes o argentino Alberto Fernández; o colombiano Gustavo Petro; o paraguaio Mario Abdo Benítez; o equatoriano Guillermo Lasso; o boliviano Luis Arce; e o surinamês Chan Santokhi. O Peru, por sua vez, está representado pelo chefe de gabinete Alberto Otárola.
Sem uma agenda pré-estabelecida, está previsto que os governantes dialoguem sobre um novo mecanismo de integração regional e sobre cooperação em assuntos como energia e combate ao crime transnacional.
A América do Sul "está unida nos discursos, mas não em projetos concretos", declarou o colombiano Petro ao chegar ao Palácio do Itamaraty.
- Integração 'diferente' -
Um encontro entre os líderes sul-americanos não ocorria desde a cúpula da Unasul, celebrada em 2014, em Quito.
E, após as vitórias conservadoras nas eleições regionais, instabilidades políticas internas e divergências entre países pela crise venezuelana, o bloco ficou praticamente paralisado, sem orçamento, nem sede.
Permanecem na Unasul Bolívia, Guiana, Suriname, Venezuela e Peru — que nunca deixaram o bloco —, além de Brasil e Argentina, que voltaram este ano. Um novo mecanismo de integração "pode funcionar (de forma) diferente", disse Lula.
Depois da reunião, haverá um jantar no Palácio da Alvorada.
D.Johannsen--MP